sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

As constituições dos países árabes e a fantasia de democracia na região

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O Corão é a constituição oficial do Arábia Saudita e a fonte de direito civil


O aspecto comum nas constituições de todos os países árabes  é o Islã ser a religião do estado. Até aí, não há maiores problemas, pois há países democráticos que possuem uma religão de estado. Entretanto, em várias das constituições, além da determinação de que o Islã é a religião do estado, há determinação no sentido de que a Sharia (lei islâmica) é a principal fonte do direito. E, nesse caso, a democracia mostra-se inviável, pois a fonte primaz do direito é, por definição, excludente, o que impede, também por definição, a participação de todos, indistintamente, no processo político. E, por processo político não se entenda apenas eleições. As eleições, conquanto livres, são só um passo no processo político democrático.

O método de análise utilizado foi o seguinte: Se, ao consultar a constituição de determinado país, deparamo-nos com um dispositivo determinando ser a Sharia a fonte principal do direito, isso já é o suficiente para eliminar a possibilidade desse país ser minimamente democrático. Se não há tal determinação, a análise continua, passando pelos direitos e garantias individuais e pelas disposições sobre o poder executivo e o chefe de governo.


Comecemos com as constituições que dispõem expressamente que a Sharia é a fonte principal do direito:

Iêmen
Artigo 3º: A Sharia islâmica é a fonte de toda a legislação

Arábia Saudita
Artigo 1º: O Reino da Arábia Saudita é um estado árabe islâmico soberano com o Islã como sua religião; o Livro de Deus (Corão) e a Sunnah de Seu Profeta, orações de Deus e a paz esteja sobre ele, são a sua constituição, o árabe é sua língua e Riad é a sua capital

Aqui a Sharia não só é a fonte principal do direito; é a própria constituição.

Síria
Artigo 1º
(1) A República Árabe da Síria é um Estado popular, socialista, democrático e soberano. Nenhuma parte do seu território pode ser cedida. A Síria é um membro da União das Repúblicas Árabes.
(2) A região Árabe Síria é uma parte da pátria árabe.
(3) As pessoas na região Árabe Síria são uma parte da nação árabe. Elas trabalham e se esforçam para alcançar a unidade abrangente da nação árabe.

Na Síria, não só a jurisprudência islâmica é principal fonte do direito, mas a constituição define o estado como socialista. Democracia mandou um abraço.

Sudão
Artigo 5º
A legislação nacional promulgada com efeito apenas em relação aos estados do norte do Sudão terá como suas fontes de legislação islâmica  a Sharia e o consenso do povo.

Kuwait
Artigo 2º: A religião do Estado é o Islã, e a Sharia islâmica será a principal fonte de legislação.

Emirados Árabes Unidos
Artigo 7º: O islamismo é a religião oficial da União. A Sharia islâmica será a principal fonte da legislação na União. A língua oficial da União é o árabe.

Barém
Artigo 2º: A religião do Estado é o Islã. A sharia islâmica é a principal fonte de legislação. A língua oficial é o árabe.

Catar
Artigo 1º: O Catar é um estado árabe independente. O Islã é a religião do Estado e a sharia islâmica é a principal fonte de suas legislações. Ele tem um sistema político democrático. A língua oficial é o árabe. O povo de Qatar é parte da nação árabe (ummah).

Omã
Artigo 2º: A religião do Estado é o Islã e a sharia islâmica é a base da legislação.


Passando aos países cuja constituição não define expressamente a Sharia como fonte do direito, temos o seguinte:

Argélia
Artigo 2º
O Islã é a religião do Estado.

Artigo 9º
As instituições não são permitidoa:
- Práticas de nepotismo, regionalistas e feudais;
- A criação de relações de exploração e de ligações de dependência;
- Práticas que são contrárias à ética islâmica e aos valores da revolução de novembro

No caso da Argélia, vemos que a constituição proíbe instituições que sejam contrárias à ética islâmica. Dessa forma, ainda que a constituição não afirme expressamente que a principal fonte do direito é a Sharia, toda a vida política e civil do país é passível de ser limitada por valores religiosos, impedindo que liberdades elementares sejam exercidas.


De acordo com o governo dos Estados Unidos, a "constituição da Jordânia estabelece que a religião do estado é o Islã, mas prevê a liberdade de praticar os ritos de outras religiões (desde que reconhecidas pelo Islã e, consequentemente, pelo estado) e fé, de acordo com o costumes que são observados no reino, a menos que eles violem a ordem pública ou moralidade. A constituição observa que a religião do estado é o Islã e que o rei deve ser muçulmano e que o governo concede primazia à Sharia (lei islâmica). 
A constituição também estipula que não haverá discriminação nos direitos e deveres dos cidadãos em razão da religião, no entanto, a aplicação da Sharia pelo governo infrinje as liberdades e direitos religiosos estabelecidos na constituição,  proibindo a conversão de um muçulmano para outra religião e permitindo a discriminação religiosa de minorias em algumas questões relativas ao direito de família. Os membros de grupos religiosos não reconhecidos também enfrentam discriminação legal."



Todos os paises acima mencionados são, atualmente, em maior ou menor escala, ditatoriais. Por mais que a onda iniciada na Tunísia e  no Egito continue se espalhando na região, o máximo que podemos esperar é a deposição do ditador atual. Porém, sem que a essas eventuais deposições sigam uma verdadeira reforma dos estados - passando, necessariamente, pela elaboração de novas constituições, os ditadores passarão, mas as ditaduras permanecerão. E a democracia permanecerá a ser, apenas, uma fantasia.

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