segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Sabra e Chatila e o Massacre de Damour

Embedded image permalink


Com a morte de Ariel Sharon, todas as velhas acusações de responsabilidade no massacre de Sabra e Shatilla voltaram ao noticiário -- apesar de a investigação militar realizada tê-lo considerado apenas "indiretamente responsável" pelo ocorrido e do governador de Beirute, Antoine Lahad, ter afirmado ao jornal Yedioth Aharonoth que Sharon nada sabia e que não teve participação alguma no ocorrido. Em sua opinião o único erro do então ministro da defesa foi ter permitido que a milícia libanesa Falange entrasse nos campos de refugiados.

Um fato importante é que, na maioria das vezes, a Falange sequer é mencionada quando o massacre é discutido. O que torna o caso ainda pior é que o grupo ("Keta'eb", como é chamado nos dias de hoje no Líbano) ainda é um partido político ativo no país. Então ficamos assim: o grupo que atuou ativamente no campo e que foi responsável pelas mortes nem mesmo é mencionado enquanto Sharon leva toda a culpa pelo ocorrido... 



As Falanges Libanesas

O grupo controlado pela família Gemayel foi formado em 1936, como uma organização paramilitar de jovens cristãos maronitas.
Ao criar o partido, Pierre Gemayel se inspirou na Falange Espanhola e no Partido Nacional Fascista italiano. Outro movimento que serviu de inspiração foi o Nacional Socialismo alemão, que ele conheceu quando esteve em Berlim como atleta nas Olimpíadas de 1936. Na época nenhuma dessas ideologias tinha a reputação que tem hoje e, em entrevistas, Gemayel afirmou que o "Nazismo veio depois", e que nesses regimes ele via disciplina, e que "no Oriente Médio necessitamos de disciplina mais do que qualquer outra coisa".                         


File:Logo of Kataeb Party.svg
                                                         Símbolo do Keta'eb/ Falange


O partido nutria um forte sentimento nacionalista -- baseado no cristianismo e em suas origens fenícias -- e se opunha tanto à presença de países ocidentais no Líbano quanto ao pan-arabismo [1] [2], o que aproximava seus membros de Israel -- mas não tanto quanto a Igreja Maronita desejava.



O Massacre de Damour 

Em 20 de Janeiro de 1976, durante a guerra civil libanesa, uma cidade cristã ao sul da capital Beirute foi atacada pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que tinha se unido a grupos muçulmanos libaneses contra os cristãos. Parte da população do local morreu em batalha e centenas foram assassinados no massacre que se seguiu. O número de civis maronitas mortos ficou entre 150 e 582.

O massacre de Sabra e Chatila foi uma resposta ao massacre de Damour e a anos de violência anti-cristã por parte dos muçulmanos libaneses e de seus aliados árabes-palestinos.


No video abaixo o poeta Said Akl, um dos maiores ícones do nacionalismo libanês, dá o tom do sentimento pro-Israel e anti-palestino que imperava entre os cristãos libaneses. As tensões sectárias no país nunca arrefeceram, e uma nova guerra civil é apenas questão de tempo.


[Tradução]

Não há um segundo passo, há apenas um [passo] para o herói Beguin (então primeiro-ministro de Israel): limpar o Líbano dos palestinos. Isso é o que o Líbano quer.
Se isso não acontecesse eu me sentiria tremendamente infeliz, assim como o resto da população libanesa.

Assim que o exército israelense entrasse no Líbano, todo o Líbano deveria ter se levantado e lutado ao seu lado. Se eu tivesse um batalhão militar, eu iria agora mesmo lutar ao lado do exército israelense.
Hoje no meu jornal, eu agradeci ao exército israelense num editorial chamado "Israel está aqui". Eu escrevi: "estou feliz por dois motivos: porque o exército está salvando a nós e ao mundo e [porque] está mostrando a cabeça da serpente ao mundo -- que se chama terrorismo" -- e eu vou falar sobre isso depois. 
Mas eu também estou triste porque não somos nós que estamos salvando o Líbano com os Israelenses, salvando dessa imundice palestina racista e sanguinária, que lidera o terrorismo no mundo.

Pergunta: E por que você não tomou parte na operação?

Eu acredito que existam alguns políticos corruptos no Líbano, e a maioría deles está no governo. Eles não permitíram que os libaneses tomassem partido.
O povo libanês travou uma boa guerra contra os palestinos, mas [Yasser] Arafat enganou e extorquiu os países produtores de petróleo e agora tem mais de 70 bilhoes de dólares. Nesses últimos dois dias ele comprou líderes na Europa e nos Estados Unidos para agir contra você, para dizer que este exército [de Israel] que está salvando o Líbano é um invasor -- mas qualquer um que diga isso deveria ser decapitado!
Em nome do Líbano, eu te digo que esse é o único exército da salvação. 

sábado, 11 de janeiro de 2014

Sharon, a paz, a segunda intifada e a "esplanada das mesquitas"


Ariel Sharon em visita ao Monte do Templo no ano 2000


Em outubro de 2000 tudo indicava que finalmente os líderes de Israel e dos árabes-palestinos chegariam a um acordo de convivência que levaria à coexistência pacífica entre o Estado judeu e um segundo Estado palestino a ser proclamado em Gaza e na Cisjordania. As delegações chefiadas pelo primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak, e o presidente da Autoridade Palestina, Yasser Arafat, reunidas em Camp David com a delegação americana, chefiada pelo então presidente Bill Clinton, tinham sobre a mesa a ousada proposta de Barak, concedendo aos palestinos quase todas as suas reivindicações: 95% dos territórios "ocupados" (e negociações para acertos de fronteira e troca de territórios de acordo com a situação demográfica e as questões de segurança), um regime especial para Jerusalém, que permitisse, sem dividir a cidade, que os palestinos lá tivessem sua capital, desocupação da maior parte das colônias judaicas, acordos de cooperação econômica que viabilizariam o novo Estado a ser proclamado e todos os detalhes redundantes dessa postura básica.

Surpreendentemente, no último momento, Arafat recuou, rejeitou a proposta e deu início à intifada, que se alegou ser uma reação de revolta palestina ante uma visita "provocadora" de Ariel Sharon ao monte do Templo -- o local mais sagrado para o judaísmo, onde foi construído o Templo de Salomão (a imprensa brasileira se recusa a noticiar este fato, e se refere ao local simplesmente como "esplanada das mesquitas", repetindo a narrativa islamica e negando qualquer ligação dos judeus com o local). 

Quanto a acusação de que a visita de Sharon foi a responsável pela intifada... isso é algo que até os próprios árabes -- mas não a imprensa ocidental, claro! --  admitem ser uma mentira:


"Quem quer que pense que a intifada começou como resultado da desprezível visita de Sharon à mesquita de al-Aqsa está errado. Essa foi apenas a última gota que acabou com a paciência do povo palestino. 
A intifada já estava planejada desde o retorno do presidente Arafat de Camp David [nos EUA, onde se discutia a paz], onde o Arafat resistiu ao presidente Clinton e rejeitou os termos do acordo no coração da América."


Por que sua recusa? O que Arafat realmente queria? Como ele nunca declarou explicitamente o que quer (nas negociações, os palestinos se limitaram a fazer exigências e recusar propostas), resta especular sobre algumas possibilidades:


a) Arafat não conseguiu reunir coragem ou vontade para vencer as pressões dos grupos palestinos mais radicais, que recusam a paz e a convivência com Israel. Mesmo percebendo a oportunidade, não quis arriscar o que Barak arriscou: enfrentar sua própria gente e convencê-la de que só com concessões mútuas poder-se-ia construir uma solução que fosse o início de um processo de paz verdadeiro.



b) Arafat não quis aceitar uma solução a não ser em seus próprios termos e com a satisfação de 100% de suas exigências. Diante de uma proposta de conciliação irrecusável, as únicas alternativas são aceitá-la ou romper a negociação, exatamente para não ter de aceitá-la. A entrega de praticamente todos os territórios, a partilha de Jerusalém como capital, o estabelecimento de outro Estado palestino, a cooperação econômica, seriam o máximo de concessões exigíveis de Israel já no início do processo de convivência pacífica. 
O medo de um resultado negociado que exigiria compromissos dos palestinos pode ter sido o que levou Arafat a partir para o confronto, na tentativa de obter, sem se comprometer com nada, mais do que estava a seu alcance com uma simples assinatura. A exigência de última hora de Arafat, que ele sabia muito bem não poder jamais ser aceita por Israel, foi a "volta de 3 milhões de refugiados" palestinos, não ao futuro Estado palestino, mas para dentro do Estado de Israel, o que parece induzir a próxima alternativa.

c) Os palestinos nunca quiseram realmente uma paz definitiva com Israel e, na verdade, nunca teriam abandonado seu objetivo estratégico de acabar com Israel como Estado judeu. Para isso, como está definido na Carta Palestina, as negociações e o Estado palestino seriam apenas uma etapa. A possibilidade de um Estado palestino com compromissos de paz e reconhecimento de Israel seria uma ameaça a esse princípio. Fortes indícios dessa possibilidade transparecem da exigência de última hora em Camp David: cerca de 3 milhões de palestinos (supostamente, os descendentes dos 600.000 palestinos que saíram de suas casas e foram para o exílio durante a Guerra de Independência de Israel) deveriam "retornar", não ao Estado palestino, mas ao Estado de Israel. O objetivo, claramente, não era fortalecer o novo Estado a ser criado, mas debilitar o caráter judaico de Israel. Uma população de 4.200.000 palestinos, ante menos de 5 milhões de judeus, poderia levar, em pouco tempo, pela via demográfica, ao "fim do Estado sionista", como consta nos programas e nas estratégias palestinas.
Qualquer que tenha sido o motivo – ou os motivos – de Arafat, ele desencadeou a intifada e a violência quando tinha ao seu alcance a realização de praticamente todos os seus objetivos pelo caminho do acordo e da convivência.


...Quando dizemos que a solução deve ser baseada nessas fronteiras [de 1967], o presidente [Abbas] entende, nós entendemos e todos sabem que o "objetivo maior" não pode ser alcançado de uma vez só. Se Israel se retirar de Jerusalém, retirar 650.000 colonos e desmantelar o muro... o que será de Israel? O país acabará.

Quem está nervoso e irritado agora? Netanyahu, Lieberman, Obama... todos esses vermes.
... Nós deveríamos nos alegrar em ver Israel perturbado.
Se alguém disser que quer "varrer" Israel... é muito difícil. Não é [uma política] aceitável dizer isso. Não diga essas coisas ao mundo, guarde consigo. 
Eu quero as resoluções que todos concordam. Eu digo para o mundo, para o quarteto e para os EUA: vocês prometeram e se transformaram em mentirosos.



sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Israel, os cristãos e a morte do pan-arabismo

Gabriel Nadaf, o padre da igreja ortodoxa grega na Galiléia que tenta livrar os cristãos de Israel da mentalidade que os acorrenta ao nacionalismo árabe que tanto os oprime.



A chamada "Primavera Árabe" desencadeou forças que estiveram dormentes por um século. Como seus colegas espalhados por toda a região, as minorias arabizadas de Israel estão mudando de forma profunda.

Considere a comunidade cristã.

Gabriel Nadaf, um padre ortodoxo grego de Nazaré, tornou-se o símbolo deste novo período. Nadaf é o líder espiritual de um movimento cristão israelense que defende que a juventude cristã do país deve se alistar no serviço militar. Ele é responsável por um aumento de 300% no alistamento "árabe" cristão nas Forças de Defesa de Israel no ano passado.

E o padre não esconde seu objetivo nem sua motivação. Ele busca a integração total dos 130.000 cristãos de Israel na sociedade israelense, e vê o serviço militar como a chave para que isso ocorra.
Já sua motivação foi testemunhar as terríveis perseguiçoes de cristãos em todo o "mundo árabe" desde o início da onda revolucionária, em dezembro de 2010.


 à luz do que vemos acontecer com os cristãos nos países árabes, a forma como são massacrados e perseguidos diariamente, sendo mortos e estuprados só porque são cristãos... Isso acontece no Estado de Israel? Não, não acontece."
Shahdi Halul, um capitão da reserva no batalhão de pára-quedistas que trabalha com Nadaf, declarou: "Todo cristão no Estado de Israel deve se juntar ao exército e defender o país para que ele exista para sempre. Porque se, Deus me livre, o governo daqui for derrubado, assim como foi em outros lugares, nós seremos os primeiros a sofrer."

Esses homens e seus apoiadores são o resultado natural do desenvolvimento revolucionário mais significativo da chamada Primavera Árabe: o fim do nacionalismo árabe.

Como explicou Ofir Ha'ivry, o vice-presidente do Instituto de Herzl, o nacionalismo árabe nasceu do pan-arabismo -- uma invenção de potências europeias durante a Primeira Guerra Mundial, quando elas procuravam conferir uma nova identidade ao Oriente Médio pós-Otomano.

O núcleo da nova identidade era a língua árabe. As aspirações tribais, religiosas, étnicas e nacionalistas dos povos da região de língua árabe foram sufocadas e substituídas por uma nova identidade pan-árabe.

Para os cristãos do antigo império Otomano, o pan-arabismo foi um bem vindo meio de se livrar das leis islâmicas de Omar, que reduziam os não-muçulmanos que viviam sob o domínio muçulmano ao status de dhimmis impotentes, cuja a única existência possivel era na forma de sobreviventes indefesos sob total controle de seus governantes islâmicos.

Mas agora que o pan-arabismo está em ruínas do norte da África até a Península Arábica os habitantes da região voltaram a se identificar por tribos, religião, etnia, e, no caso dos curdos e bérberes, de acordo com sua identidade nacional não-arabe. Nesta nova era, os cristãos encontram-se em perigo novamente, e com poucos protetores ou aliados dispostos a protege-los.

Como Ha'ivry observa, o desafio estratégico central de Israel foi sempre disputado com o pan-arabismo, que foi inventado ao mesmo tempo em que as nações do mundo abraçaram o sionismo moderno.
Desde a sua criação, os líderes pan-árabes sempre viram Israel como bode expiatório perfeito, o alvo ideal para desviar a atenção de sua incapacidade de cumprir as mirabolantes promessas de poder global do pan-arabismo.

Mas desde 1993, diz Ha'ivri, a estratégia nacional de Israel tem sido baseada em apaziguar os autoritários  líderes pan-árabes seculares, oferecendo terra por paz para a Síria e para a OLP. Ele ainda afirma que Shimon Peres é o padrinho político da estratégia acomodacionista de Israel, que é baseada em uma mistura de um sentimento de impotência por um lado, e de utopia pelo outro.

A sensação de impotência se deve a convicção de que Israel não pode influenciar seu ambiente e que os "árabes" são incapazes de mudar. Que os vizinhos de Israel sempre verão a si mesmos como árabes, e que eles sempre vão querer, mais do que qualquer outra coisa, estados árabes.

E, ao mesmo tempo, os acomodacionistas mantêm a crença utópica de que o apaziguamento israelense do nacionalismo árabe-palestino vai romper o muro de rejeição pan-árabe, acabando com o ódio contra o Estado judeu, e até mesmo levar os árabes a convidar Israel a aderir a Liga árabe...

A "Primavera Árabe" acabou com cada uma das crenças dos acomodacionistas. Do Egito à Tunísia, do Iraque à Síria, todos os vizinhos de Israel estão lutando entre si como sunitas, xiitas e salafistas, ou como membros de clãs e tribos, abandonando qualquer pretensão a uma identidade árabe comum. E o que a tola esquerda israelense -- obcecada por um estado palestino -- ainda não foi capaz de perceber é que muitos dos vizinhos de Israel não compartilham a idéia do Estado Judeu como um bode expiatório, assim como os proponentes do pan-arabismo. Então, subornar os agora irrelevantes nacionalistas árabes com outro Estado árabe pode fazer pouco além de criar mais uma nova vítima das revoluções.

E é porque eles vêem o que está acontecendo com seus correligionários no mundo pós pan-arabismo que mais e mais cristãos israelenses percebem que terão uma vida mais segura e mais próspera como cidadãos cristãos na única democracia do Oriente Médio do que como árabes lutando contra a "entidade sionista".


Ainda assim, a mudança não é tão simples. A maioria dos líderes árabes eleitos em Israel são muçulmanos e devem suas posições a uma tão cega quanto obstinada defesa do pan-arabismo. Esta posição lhes trouxe fama, dinheiro e apoio da OLP, da Europa e, desde 1993, da esquerda israelense.

E por isso, desde que ele apareceu pela primeira vez em cena, a vida do padre Nadaf tem sido constantemente ameaçada. Todos, desde os membros árabes do parlamento israelense até os comunistas infiltrados no Conselho Ortodoxo Grego tem incitado contra ele, acusando-o de trair a "nação árabe palestina".


Nadaf e seus seguidores respondem às acusaçoes com desprezo.
"Quando alguém me diz: 'Somos todos árabes', eu digo a ele: "Não, não somos todos os árabes. Você é um árabe. Eu não.", disse Halul a um canal de TV.

Samer Jozin, cuja filha Jennifer optou pelo serviço militar em vez da faculdade de medicina, concorda.
"Dizer que eu sou um palestino é uma maldição. Eu sou, graças a Deus, um cristão de Israel e sou orgulhoso disso. E agradeço a Deus que eu nasci na Terra de Israel ", disse ele.
A mensagem não poderia ser mais clara: Israel está baseando sua estratégia nacional em um mundo que não existe mais.

Hoje, os curdos -- um dos aliados muçulmanos mais antigos do Estado de Israel -- formaram estados praticamente independentes no Iraque e na Síria. Enquanto isso, cristãos em toda a região estão em fuga; drusos da Síria e do Líbano estão expostos, sem proteção e à procura de ajuda.

Quanto aos muçulmanos, eles estão fragmentados em linhas sectárias e políticas, e em guerra uns com os outros em campos de batalha por toda a região. Por causa disso eles têm tido pouco tempo para se dedicar a culpar Israel por seus fracassos.

O Oriente Médio pós-arabismo expõe a verdade que tem sido obscurecida por 100 anos: Os judeus e seu estado são um componente natural daquela vizinhança tão diversificada, assim como os curdos, os cristãos, os drusos e as várias seitas muçulmanas. O fim do pan-arabismo é uma grande oportunidade para que as minorias da região possam construir as alianças que precisam para sobreviver e prosperar. 

A "nação árabe"

Flag of the Arab Revolt, designed by Sir Mark Sykes, flies in Aqaba, Jordan. Photo: Wikimedia
 Bandeira da revolta árabe, que foi criada pelo diplomata britânico Sir Mark Sykes. As quatro cores da bandeira representavam as diferentes dinastias árabes: abássidasomíadas, fatimidas e hachemitas. Ela serviu de base para todas as bandeiras dos recém-criados estados "árabes"



Desde a formação do atual Oriente Médio, criado na sequência da Primeira Guerra Mundial, a vida política da região tem sido atormentada pela doutrina do "nacionalismo árabe", que postula a existência de "uma única nação [árabe] vinculada por laços comuns de língua, religião e história... por trás da fachada de uma multiplicidade de Estados soberanos".

A extensão territorial desta suposta nação varia de acordo com os diferentes expoentes da ideologia. Os mais "modestos" reivindicam o território que engloba a Península Arábica, o Levante e o Delta do Nilo, enquanto outros, ainda não satisfeitos, complementam o "mundo árabe" com todo o norte da Africa, Sudão e partes do Irã e da Turquia. 


Um detalhe importante é que a suposta unidade das populações de língua árabe que habitam esses vastos territórios nunca é questionada. Nas palavras do acadêmico árabe-palestino Walid Khalidi, que não sente a mínima vergonha de assumir que a realidade e os fatos não têm o poder de mudar suas noções preconcebidas: "Esta nação é real, e não potencial. O fracasso manifesto de até mesmo nos aproximarmos de uma unidade não nega a realidade empírica da nação árabe. Ele simplesmente adiciona dimensões normativas e prescritivas à ideologia do pan-arabismo. A nação árabe não só é, como deve ser uma". 

Propaganda à parte, o "nacionalismo árabe" não passa de ficção. Ele não representa e nunca representou um movimento nacional genuíno, e não passa de um eufemismo para o mais claro exemplo de imperialismo existente nos dias de hoje. Não há e nunca houve uma "nação árabe" e sua invocação nunca foi nada além de um manobra esperta para angariar apoio popular e simpatia da "opinião pública mundial" para as ambições imperialistas de socialistas árabes e líderes islâmicos órfãos dos califados.

Se uma nação é um grupo de pessoas que partilham ascendência, língua, cultura, tradição e história em comum, então nacionalismo é o desejo de autodeterminação de tal grupo em um território específico que eles consideram ser o seu patrimônio.

Os únicos denominadores comuns entre as diversas populações de língua árabe do Oriente Médio são língua e religião -- ambas impostas a força e conseqüências da época imperial islâmica. E mesmo esses fatores comuns nunca geraram nenhum sentido comum de solidariedade "árabe". Isso sem falar em sentimentos profundamente arraigados de história comum, destino compartilhado ou apego a uma pátria ancestral... Esses sentimentos sequer existem entre os diversos grupos islâmicos, que consideram seus 'irmãos' de outras seitas como infiéis. 

Mesmo sob impérios islâmicos universais, desde os tempos do califado omíada até o otomano, as populações falantes de língua árabe do Oriente Médio nunca se unificaram ou chegaram a se considerar como uma única nação. Muito pelo contrário, os vários reinos e impérios árabes sempre competiram pelo domínio regional ou se desenvolveram paralelamente com outras culturas sob a mesma égide imperial.


Ficheiro:Te lawrence.jpg
Thomas Edward Lawrence, mais conhecido como Lawrence da Arábia


Da mesma forma que outros idiomas imperiais -- como inglês, espanhol e o português -- o árabe foi assimilado pelas diversas populações nativas de suas antigas colonias, que quase nada tinham em comum. Até Lawrence da Arábia, o mais famoso pan-arabista ocidental, admitiu em seus últimos anos que a "unidade árabe é um conceito insano", e continuou sua conclusão fazendo uma comparação: "a unidade dos povos de língua inglesa seria um paralelo justo".

Esta dissonância entre o verdadeiro nacionalismo e o sonho de um império árabe e/ou islâmico embrulhado como uma "nação árabe" unificada criou um legado de violência e perseguições de minorias que tem assombrado o Oriente Médio.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Dois estados é uma solução? Ou: Hudna, é possível negociar com o Islã?


 A solução dos dois estados não deve ser encarada com uma ideologia ou um mantra, mas como uma fórmula que deve ser julgada de acordo com a sua aplicabilidade prática.
 Itzhak Rabin e Yasser Arafat apertam as mãos durante o fracassado acordo de Oslo: para os tolos israelenses a paz, para os muçulmanos apenas mais um passo na destruição de Israel


As negociações de paz no Oriente Médio são um exemplo muito claro do que se chama 'guerra assimétrica' -- no caso negociações assimétricas: Israel quer e precisa de paz, o Islã não quer e nem precisa de paz. Pelo contrário, as negociações de seu lado são apenas um engodo permanente para desviar a atenção de seu real objetivo: a destruição do que eles chamam entidade sionista e a expulsão dos judeus de sua terra.


Entrevista com Abbas Zaki (um dos líderes do 'moderado' Fatah e da Autoridade Palestina) em um canal por satélite sírio, 23 de dezembro de 2013:


Apresentador da TV síria: "Quando eles falam sobre [os EUA] impor uma solução, sabemos que vai ela ser deficiente."

Membro do Comitê Central do Fatah, Abbas Zaki: "Você pode relaxar. Encontramo-nos unidos pela primeira vez. Até mesmo os mais radicais entre nós -- o Hamas ou as forças de combate -- querem um Estado dentro das fronteiras  de 1967. Depois nós teremos algo a dizer, porque a idéia inspiradora não pode ser alcançada de uma vez, [ao contrário, deve ser] em etapas."


Ao se referir ao "processo de paz" ou a panacéia pacifista da vez para o conflito entre o Estado de Israel e os grupos terroristas palestinos, nossa mídia mascarada tem evitado usar o termo Hudna, o lado palestino (árabe-muçulmano) da pantomima. 

E o que vem a ser isso? Hudna é uma palavra árabe que serve para designar aquilo que qualquer general conhece e que todo adversário preparado recusa e aproveita para atacar. Mas como foi um termo utilizado pelo profeta Maomé,  adquire uma espécie de aura respeitosa (ao menos para muçulmanos...) que aumenta o despistamento.

O termo é geralmente traduzido na imprensa ocidental como trégua de duração temporária pré-determinada -- nos jornais em inglês o seu equivalente é Truce -- para entabular negociações visando a paz. Mas esta tradução deixa de lado o significado religioso, histórico e mesmo o sentido atual dado ao termo pelos chefes das quadrilhas de guerrilheiros e terroristas islâmicos.

O Profeta Maomé, então exilado em Medina, era constantemente ameaçado pelos membros de sua tribo coraixita, que controlavam Meca (a cidade mais sagrada para os árabes) e não reconheciam sua liderança espiritual nem aceitavam seu monoteísmo. Após várias escaramuças, no ano de 628, Maomé ofereceu-lhes paz, prometendo a segurança de suas caravanas em troca da permissão de realizar os ritos de peregrinação anual à Caaba (1). 

Os coraixitas responderam que um ano de paz deveria preceder o acordo. Maomé declarou então uma trégua -– que denominou hudna -- de 10 anos, conhecida como acordo de Hodaibiah. Para consolar seus guerreiros o profeta muçulmano atacou e saqueou os judeus de khaibar em sua colônia a nordeste de Medina: noventa e três foram chacinados e os demais, para sobreviver, entregaram suas propriedades e metade de suas futuras colheitas.

Durante os dois anos seguintes, Maomé aproveitou a Hudna para reforçar seu exército e, como mestre do despistamento que era, usou a desculpa de uma infração menor qualquer cometida pelos coraixitas para lançar um ataque devastador, com um já considerável exército de 10.000 homens, e retomou Meca.

Este é o verdadeiro significado da hudna: acenar falsamente com uma trégua que não serve para o fim expresso –- preparar a paz -– mas para o fim secreto de descansar, reforçar e ampliar suas forças quando a situação é desesperadora e a derrota está próxima.

Historicamente este tem sido sempre o sentido dado pelas forças árabes em luta: acumular forças para o próximo round. Não é mais do que uma trapaça, “veneno com cobertura de mel”, como disse Gideon Meir, um antigo vice-ministro do exterior de Israel.


O PAPEL DA HUDNA NO ATUAL CONFLITO



Numa entrevista na TV Palestina, Abd Al-Malek, membro árabe do parlamento de Israel (é, lá no “território ocupado pelos sionistas” tem disto!), ao responder a uma afirmativa de um expectador de que “nosso problema com Israel não é um problema de fronteira, mas de existência...”, disse: “É, nós exageramos quando falamos de ‘paz’ .... quando o que nós realmente queremos dizer é Hudna”. E é aqui que vem o “pulo do gato” que quem entende árabe já percebeu há muito: quando as autoridades palestinas falam em seu idioma para seu próprio povo, e não nas entrevistas em Inglês em fóruns internacionais, eles usam Hudna e deixam claro que não há nenhuma paz em vista, mas apenas um cessar-fogo temporário que, além da finalidade tradicional já exposta, tem outra: a de iludir a tal “comunidade internacional”. 



Todos os acordos assinados por eles são pura farsa, e conseguem enganar direitinho aos trouxas que neles acreditam -- com direito até a Prêmio Nobel da Paz. Assim foi em 1994, quando Yasser Arafat explicou, em árabe, para os palestinos, que os acordos de Oslo eram uma Hudna no caminho para Jerusalém. 

Aqui vemos Yasser arafat explicando o motivo de ter assinado os Acordos de Oslo: 'Hudaybiya'



Depois, em 2000, seguindo o próprio profeta, seu mestre de despistamento, e usando como pretexto a visita de Ariel Sharon ao Monte do Templo (o lugar mais sagrado para o judaísmo, que os muçulmanos chamam de Esplanada das Mesquitas) criou a tal da "pequena infração inimiga" quebrando a Hudna e se lançando à nova guerra, conhecida como Segunda Intifada, ou Intifada de al-Aqsa.



O acordo de Hodaibiah é sempre mencionado como modelo para todo e qualquer ato de cessar-fogo assinado pelas autoridades, e compreendido como parte de um processo estratégico final: a libertação da "Palestina" e a expulsão dos judeus para o mar. Estes acordos são sempre assinados quando o balanço de força do momento está desfavorável às suas hostes.



ALGUNS EXEMPLOS DA “SINCERIDADE” PALESTINA – EM ÁRABE, EVIDENTEMENTE



Ministro do Abastecimento da Autoridade Palestina (AP), Abd El-Aziz Shahian: 

“Oslo é apenas o primeiro passo na destruição de Israel, não um acordo permanente”.


Pregador Dr Ahmed Yousuf Abu Halbiah, da AP: 
“A Nação Palestina é a vanguarda de Allah contra os Judeus, até a ressurreição dos mortos (...) até que o destino de Allah seja cumprido”.

Othman Abu Arbiah, assessor político e educacional de Arafat: 
”O Estado Palestino com capital em al-Quds (Jerusalém, em Árabe) é apenas o primeiro estágio (...) na destruição dos colonizadores sionistas”.

Sheik Yousuf Abi Snina, pregador da mesquita al-Aqsa:
“A terra Palestina é terra Waqf que pertence aos fiéis do Islam desde o início dos tempos e ninguém tem o direito de (...) fazer concessões ou de abandona-la. (...) São traidores e criminosos que merecem o Inferno todos os que aceitam a existência de Israel, que inclui ceder Haifa, Lod, Nazareth e Ashkelon”. No mesmo sermão concede a Arafat um Selo de Aprovação Shariático (Lei Islâmica) para estabelecer uma hudna.

Salim Alwadia Abu Salem, supervisor para assuntos políticos da AP: 
“Quando nós pegamos em armas em 1965 e teve início a moderna revolução Palestina, nós tínhamos um único objetivo, que não mudou e não mudará nunca: a libertação da Palestina (da ocupação sionista)”.


Os milhares de exemplos são todos repetição ad nauseam da mesma cantilena.


CONCLUSÕES

As mensagens de paz das lideranças israelenses e árabes aos seus respectivos povos são exatamente o oposto uma da outra (2).

Os líderes israelenses estão dizendo: o acordo permanente será doloroso, mas devemos aceita-lo porque ele marcará o fim do conflito.

Os líderes árabes-palestinos, por sua vez, dizem: o acordo permanente será doloroso, mas devemos aceita-lo porque não significa o fim do conflito, mas é apenas uma fase do mesmo.


Dá para acreditar em Paz?



(1) Para mais detalhes históricos, ver meus artigos

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Fathi Hammad, ministro do interior do Hamas


Fathi Hammad (فتحي حماد) é o atual ministro do interior do governo do Hamas, mas graças aos seus rompantes de honestidade -- apenas em árabe, claro! -- ele bem que poderia ocupar o cargo no ministério da verdade.

Aqui Hammad discursa em Gaza, não só admitindo o uso de mulheres e crianças como escudos-humanos, mas também louvando a prática.

[Os inimigos de Alá] não sabem que o povo palestino tem desenvolvido seus métodos de morte e de busca da morte. Para o povo palestino, a morte tornou-se uma indústria na qual as mulheres se destacam, assim como todos que vivem nesta terra. Os idosos se destacam nisso, assim como os mujahidin (guerreiros santos) e as crianças. É por isso que formam escudos humanos com mulheres, crianças, idosos e com os mujahidin, a fim de desafiar a máquina de bombardeio sionista. É como se estivessem dizendo ao inimigo sionista: "Nós desejamos a morte assim como vocês desejam a vida."



Algum tempo depois, em um programa na televisão egípcia, ele pede combustível ao governo do país e afirma que os palestinos na verdade são egípcios e sauditas. 


Fathi Hammad: O Egito é incapaz de fornecer combustível para 2 milhões de pessoas na Faixa de Gaza?
[...]
Se vocês não apontarem suas bússolas para a Palestina, al-Aqsa e Jerusalém, a fim de erradicar o inimigo sionista, os EUA vão esmagar vocês. Eles vão cerca-los com suas conspirações e acabar com vocês. Portanto, vocês devem erguer a bandeira da Jihad, a bandeira do "não há deus senão Alá".
[...]
Irmãos, existem 1,8 milhões de nós em Gaza. No Egito, há cerca de 90 milhões de pessoas. Somos equivalentes a apenas dois por cento da população egípcia. [fornecer combustível para Gaza] não vai sobrecarregá-los de forma alguma.
[...]
Em al-Aqsa e na Palestina, todas as conspirações ao longo da história foram destruídas - as conspirações dos cruzados e as conspirações dos tártaros. Em al-Aqsa e na terra da Palestina, a Batalha de Hattin foi travada. O [Ocidente] não quer que esta nobre história se repita, porque os judeus e seus aliados seriam aniquilados - os sionistas, os americanos e os imperialistas.

Assim, a conspiração é muito clara. Al-Aqsa e a terra da Palestina representam a ponta de lança para o Islã e para os muçulmanos. Portanto, quando buscamos a ajuda de nossos irmãos árabes, não estamos procurando a sua ajuda para comer, viver, beber, vestir, ou para ter algum luxo. Não. Quando buscamos a ajuda deles, é para continuar a jihad (gerra santa contra os infiéis)
[...]
Alá seja louvado, todos nós temos raízes árabes e todos os palestinos, em Gaza e em toda a Palestina, podem provar as suas raízes árabes - seja da Arábia Saudita, do Iêmen, ou em qualquer lugar. Nós temos laços de sangue. Então, onde está o seu carinho e misericórdia?
[...]
Pessoalmente, metade da minha família é do Egito. Somos todos assim. Mais de 30 famílias na Faixa de Gaza têm o sobrenome al-Masri [o "egípcio"]. Irmãos, metade dos palestinos são egípcios e a outra metade são sauditas.

Quem são os palestinos? Temos muitas famílias chamadas "al-Masri", cujas raízes são do Egito. Egípcios! Eles podem ser de Alexandria, do Cairo, de Dumietta, a partir do norte, a partir de Aswan, do alto Egito. Somos egípcios. Somos árabes. Somos muçulmanos. Nós somos uma parte de você.

Allah Akbar! Todo louvor a Deus. Allah Akbar! Como vocês podem ficar em silêncio, oh muçulmanos, quando o povo de Gaza está morrendo? Vocês assistem do lado de fora sem fornecer-lhes as coisas mais simples, que vocês oferecem para o Ocidente pelos mais baixos preços.
[...]

sábado, 4 de janeiro de 2014

Gharqad, a "árvore dos judeus"

tree1.jpg
De acordo com a tradição islâmica, essa será a única árvore que não "delatará" os judeus para seus algozes muçulmanos


 A hora do julgamento não chegará até que os muçulmanos combatam os judeus e terminem por mata-los, e mesmo que os judeus se abriguem atrás de árvores e pedras, cada árvore e cada pedra gritará: “Oh, muçulmanos! Oh, servos de Alá, há um judeu atrás de mim, venha e mate-o”.
-- Hadith 6985 (Kitab Al-Fitan wa Ashrat As-Sa`ah)


Muitas vezes traduzido como "tradição", Hadith (plural em árabe: Ahadith) relata os ditos e atos de Maomé e é considerado uma  ferramenta extremamente importante para a compreensão do Corão e em matéria de jurisprudência. Os Hadiths, que eram transmitidos oralmente, foram avaliados e reunidos em grandes coleções nos dois séculos que se seguiram após a morte do profeta muçulmano. Estas obras são referidas em matéria de lei islâmica e história até hoje, apesar de não haver um consenso entre os diferentes grupos religiosos maometanos -- como sunitas, xiitas e ibadis -- que acreditam em diferentes coleções de Hadiths.

O Hadith do topo é muito citado por teólogos e líderes religiosos sunitas e muito popular entre seus seguidores -- estando, inclusive, no Estatuto do Hamas, em seu artigo 7º:

Art. 7º Em todos os países do mundo encontram-se muçulmanos que seguem o caminho do Movimento de Resistência Islâmica, e tudo fazem para apoiá-lo, adotando seu  posicionamento e reforçando a sua Guerra Santa (jihad). Por isso, é um Movimento universal, qualificado para esse papel devido à clareza de sua ideologia, superioridade de seus fins e sublimidade de seus objetivos. Nessas bases é que deve ser visto e avaliado, e é nessas bases que seu papel deve ser reconhecido.
(…)
o Movimento de Resistência Islâmica aspira concretizar a promessa de Alá, não importando quanto tempo levará. O Profeta, que as bênçãos e a paz de Alá recaiam sobre ele, disse: “A hora do julgamento não chegará até que os muçulmanos combatam os judeus e terminem por mata-los e mesmo que os judeus se abriguem atrás de árvores e pedras, cada árvore e cada pedra gritará: “Oh, Muçulmanos! Oh, Servos de Alá, há um judeu atrás de mim, venha e mate-o”.


No entanto há aqueles mais moderados, que discordam da forma como este Hadith é entendido pelo Hamas e pela esmagadora maioria dos líderes religiosos e fiéis muçulmanos. Estes afirmam que o texto está descrevendo um evento milagroso específico que ocorrerá perto do fim dos tempos. Ou seja, na opinião destes, uma decisão judicial não poderia ser derivada dali, pois o que há no texto é uma descrição, não uma prescrição. Para os que defendem essa tese o massacre de judeus com a colaboração de árvores e pedras também ocorrerá, mas não desde já...

Outros trazem suratas que falam sobre coexistência e tolerância. O grande problema é que, ao contrário de outras religiões que se baseiam em textos sagrados, o Islã faz uso da doutrina da revogação, na qual os pronunciamentos mais recentes de Maomé tornam nulos e sem efeito os seus ditos mais antigos. Quatro versos do Corão reconhecem ou justificam a revogação:   

 Surata 2:106 - "a vaca"

 مَا نَنْسَخْ مِنْ آيَةٍ أَوْ نُنْسِهَا نَأْتِ بِخَيْرٍ مِنْهَا أَوْ مِثْلِهَا ۗ أَلَمْ تَعْلَمْ أَنَّ اللَّهَ عَلَىٰ كُلِّ شَيْءٍ قَدِيرٌ
Quando cancelamos uma mensagem, ou a jogamos no esquecimento, nós a substituimos por uma melhor ou uma similar. Você não sabe que Deus tem poder sobre todas as coisas?


Surata 13:39 - "o trovão"

يَمْحُو اللَّهُ مَا يَشَاءُ وَيُثْبِتُ ۖ وَعِنْدَهُ أُمُّ الْكِتَابِ                  

Deus anula ou confirma tudo o que quiser, pois ele tem com ele o Livro dos Livros.



Surata 16:101 - "as abelhas"

وَإِذَا بَدَّلْنَا آيَةً مَكَانَ آيَةٍ ۙ وَاللَّهُ أَعْلَمُ بِمَا يُنَزِّلُ قَالُوا إِنَّمَا أَنْتَ مُفْتَرٍ ۚ بَلْ أَكْثَرُهُمْ لَا يَعْلَمُونَ
Quando substituimos uma mensagem com os outras, e Deus sabe melhor o que ele revela, eles dizem: Você inventou isso. No entanto, a maioria deles não entende.


Surata 17:86 - "A viagem noturna"

وَلَئِنْ شِئْنَا لَنَذْهَبَنَّ بِالَّذِي أَوْحَيْنَا إِلَيْكَ ثُمَّ لَا تَجِدُ لَكَ بِهِ عَلَيْنَا وَكِيلًا


Se quiséssemos, poderíamos tirar o que temos revelado a você. Então você não vai encontrar ninguém para interceder em teu nome diante de nós.


Ao invés de explicar as inconsistências em passagens que regulam a comunidade muçulmana, os juristas simplesmente reconhecem as diferenças e aceitam  que os versículos mais novos anulam os anteriores. 
A maioria dos estudiosos divide o Corão em versos revelados por Maomé em Meca, quando sua comunidade de seguidores era fraca e mais inclinada a concessões -- e quando ele ainda tinha a esperança de ser um novo profeta para judeus e cristãos --, e aqueles revelados em Medina, quando Maomé comandava uma força considerável e já tinha sido rejeitado por crentes de outras religiões. E é aí que mora o problema: os versos mais pacíficos e tolerantes são, em sua grande maioria mais antigos, e, portanto, revogados pelos mais novos -- e também mais violentos e mais intolerantes.   

Voltando ao hadith do topo, vemos o atual mufti (o mais alto cargo para um líder religioso) de Jerusalém usando o mesmo trecho para incitar os muçulmanos a atacar judeus:


O video começa com um moderador que apresenta o mufti no evento Fatah (do "moderado" Mahmoud Abbas). Ele lembra de outra crença islâmica logo nos primeiros segundos: que os judeus são descendentes de porcos e macacos.

 Nossa guerra com os descendentes dos macacos e porcos (os judeus) é uma guerra de religião e fé."

O mufti, além de não se distanciar desta declaração, acrescentou outra: que o objetivo do Islã é matar judeus.

Existem inúmeras coleções de hadiths, algumas das quais não são aceitas como confiáveis. No entanto, o mufti salientou que a crença de que os judeus serão mortos pelos muçulmanos como uma precondição para ressurreição é uma autêntica crença islâmica, porque esse hadith aparece na coleção al-Bukhari, que é considerada verdadeira e confiável. E essa não foi a primeira vez que o mufti se meteu em encrenca. Em outro discurso público ele afirmou que "os judeus são inimigos de Alá"...

Após críticas de líderes americanos o mufti da Autoridade Palestina tentou se explicar. Em um primeiro momento, disse que o discurso não foi uma "incitação à matança de judeus. Nós não podemos mudar os escritos religiosos históricos e nós não queremos mudá-los. No entanto, estamos falando agora sobre a realidade. A realidade é que queremos alcançar uma paz justa". Depois afirmou que seu pronunciamento foi maliciosamente editado.

Como resposta, a ONG que tinha publicado apenas um trecho do discurso resolveu não só exibir o discurso na íntegra como ainda respondeu as alegações do líder religioso:

 As declarações das duas mais altas autoridades religiosas da Autoridade Palestina são deturpações do que o mufti disse. Na verdade, as palavras que ele escolheu para fornecer um contexto mostram que ele citou este hadith que antecipa muçulmanos matando judeus para torná-lo [o Hadith] relevante para o conflito árabe-israelense atual.
 O mufti introduziu o hadith referindo-se aos "47 anos" do Fatah e da "revolução" palestina, desta forma colocando o hadith no contexto de hoje. Em seguida, ele acrescentou que este é um "hadith confiável" das coleções verdadeiras e de confiança, e parte da lei/crença islâmica aceita. Depois de citar o hadith, o mufti afirmou que os israelenses estão plantando a "árvore Gharqad em Israel e em torno dos assentamentos e colônias", sugerindo que Israel está se preparando para o momento em que os muçulmanos cumprirão este hadith vindo para matá-los. De acordo com a tradição islâmica a árvore Gharqad será a única árvore que não chamará os muçulmanos para matar os judeus que estarão se escondendo atrás dela. Ao dizer que israelenses já estão plantando estas árvores em torno de suas cidades, o mufti estava relacionando explicitamente o hadith sobre o assassinato de judeus com o atual momento. Ele não estava apenas citando "escritos religiosos históricos", como alegou.
Esse é o moderado mufti do moderado Fatah.

E o que pensam os árabes sobre isso? De acordo com uma pesquisa realizada nos territórios controlados pela Autoridade Palestina e em Gaza, 73% dos participantes  concordam com este hadith genocida. Outros 80% concordam com o artigo 15º contido no estatuto do Hamas, que defende a jihad e o uso de atentados suicidas. Outros 72% afirmam apoiar a negação de qualquer vínculo histórico dos judeus com a cidade de Jerusalém, e 6 em cada 10 são contra a existência de um estado judaico, não importando suas fronteiras...