sábado, 21 de dezembro de 2013

Acordo Sykes-Picot, a criação do Oriente Médio como o conhecemos

Um século atrás, as potências européias redesenharam as fronteiras do Levante de acordo com suas próprias necessidades. Essas potências se foram mas o mapa permanece, juntamente com uma ironia: enquanto os europeus encontraram uma maneira melhor para definir suas próprias fronteiras, os estados que eles criaram depois de tomar a região do império otomano continuam a queimar e a se auto-destruir.


Mapa que mostra o território controlado pelo império turco-otomano no ano de 1914


Províncias otomanas se tornaram reinos árabes, enquanto enclaves cristãos e judeus foram criados no Líbano e na Palestina. 
Síria, Líbia e Palestina receberam nomes ressuscitados da antiguidade romana -- a Líbia reapareceu em 1934, quando os italianos juntaram Cirenaica, Tripolitânia e Fezzan. O mandato francês marcou a primeira vez que o nome "Síria" foi usado como o nome de um estado, ao passo que "Palestina" era apenas uma província síria. O Iraque tinha sido uma província medieval do califado, enquanto "Líbano" se referia a uma montanha e "Jordânia" a um rio.

Os novos estados 'árabes' adotaram derivações da bandeira da revolta árabe, que foi criada pelo diplomata britânico Sir Mark Sykes. As quatro cores da bandeira -- preto, branco, verde e vermelho -- representavam as diferentes dinastias árabes: abássidas, omíadas, fatimidas e hachemitas. Elas permanecem como as cores de metade das bandeiras árabes de hoje. Nem os nomes nem os símbolos dos novos estados tinham qualquer ligação com os seus habitantes, que sempre estabeleceram lealdades em relação a clãs, famílias, tribos, aldeias e seitas religiosas, não a países ou nações, uma importação européia que até hoje não fincou raízes em suas antigas colônias no Oriente Médio e na África. 

Flag of the Arab Revolt, designed by Sir Mark Sykes, flies in Aqaba, Jordan. Photo: Wikimedia
Bandeira da revolta árabe, concebida por Sir Mark Sykes, tremulando em Aqaba, na Jordânia


As fronteiras dos novos Estados não foram determinadas nem pela topografia nem pela demografia. Em 1916, o Acordo Sykes-Picot -- um pacto secreto entre franceses, britânicos e russos -- distribuiu os territórios em zonas regionais de controle. Esse foi o embrião do mapa atual do Oriente Médio. O grande problema é que os europeus tinham pouco interesse em entender o labirinto de identidades do Oriente Médio...

  • Uma grande população curda -- aproximadamente 25 milhões nos dias de hoje -- foi dividida entre quatro estados: Turquia, Irã, Iraque e Síria.
  • Os árabes xiitas foram divididos entre o Iraque, Kuwait, Bahrain e nas províncias orientais da Arábia Saudita.
  • Os alauítas, uma seita xiíta heterodoxa (considerada herege tanto por xiítas quanto por sunitas), residem hoje ao longo das costas libanesas, sírias e turcas.
  • Os drusos foram distribuídos entre Israel, Líbano e Síria.
  • O Líbano, supostamente um reduto cristão, acabou ficando com grandes populações sunitas e xiitas, além de alauítas e drusos.
  • A Palestina, que seria a pátria judaica, acabou dividida em três: Israel, territórios palestinos e Jordânia -- com uma enorme população sunita, além de consideráveis minorias cristãs e drusas, além de circassianos e outros grupos.  
  • Os árabes sunitas, que formavam a maioria da população no Oriente Médio, foram divididos em vários estados. Bolsões de turcomanos, circassianos, assírios, yazidis e caldeus foram isolados por toda parte (os três últimos grupos ficaram, principalmente, no Iraque).

Sykes Picot signatures
As assinaturas dos negociadores François Georges-Picot e Mark Sykes no mapa original, agora sob os cuidados do Arquivo Nacional britânico




Num primeiro momento, pensei em usar "Acordo Sykes-Picot, um desastre europeu no Oriente Médio" como título dessa postagem, mas esse seria um modo simplista, pretensioso e extremamente errado de entender o que se passa na região -- ou como eu costumo chamar: o método John Stewart de comentar política/história/religião.

Enquanto é verdade que o imperialismo europeu tem alguma responsabilidade no enorme derramamento de sangue nos países do Oriente Médio, o fato é que mesmo que estes tivessem sido criados de forma a ter uma população homogênia, com lingua, religião e cultura comuns, o número de mortes dificilmente seria muito menor. A diferença seria um menor número de guerras civis e massacres de minorias indefesas em seus próprios países, mas um número consideravelmente maior de conflitos entre nações. Como explicaram aos franceses os líderes alauítas, a verdadeira raíz dos problemas do Oriente Médio está no "espírito de fanatismo e estreiteza mental, cujas raízes são profundas no coração dos muçulmanos árabes para com todos aqueles que não são muçulmanos". O arcebispo maronita de Beirute seguia a mesma linha de raciocínio e, num depoimento a um órgão da ONU, acusava a "força brutal" do imperialismo islamico, que tentava apagar a história judaica e cristã da região.


Estudo que ajuda a entender a posição dos líderes alauítas sírios e dos maronitas libaneses
Gunnar Heinsohn, um professor da Universidade de Bremen (Alemanha), compilou estatísticas para classificar os grandes conflitos mundiais desde 1950 com base no número de mortes ocorridas. De acordo com esse estudo, desde 1950, 11 milhões de muçulmanos foram mortos em conflitos armados. Desse total, 90% das vítimas foram mortas por outros muçulmanos

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