domingo, 26 de fevereiro de 2012

Fronteira Israel x Líbano - o sionismo dos cristãos maronitas


Ao invocar o nome ‘Líbano’ nos dias de hoje, nos vêm a mente imagens de jihadistas fanáticos e enlouquecidos, mas nem sempre foi esse o caso. De fato, houve uma época em que existiu uma forte tendência pró-sionismo dentro da Igreja Maronita do Líbano (a maior e mais poderosa comunidade religiosa de então). O movimento foi liderado pelo patriarca maronita Pierre Antoine Arrida e pelo arcebispo Ignace Mubarak de Beirute. A união era natural, já que ambos os grupos eram minorias religiosas numa região hostil dominada por muçulmanos.

Tudo começou quando a Igreja se aproximou da agência judaica e um pacto foi formado (que deveria ser mantido sob sigilo, para não despertar a ira dos muçulmanos).
A postura da Igreja não refletia um consenso de opiniões entre a população cristã – o partido Falange, fundado por Pierre Gemayel, não apoiou a criação do Estado de Israel principalmente por causa de preocupações econômicas. O partido também não apoiava os isolacionistas da Igreja que queriam criar um Estado cristão independente no Monte Líbano e em seus arredores.

PRIMEIROS ENCONTROS
O primeiro encontro entre os colonos judeus e libaneses foi sob circunstâncias infelizes. Durante a guerra maronita-drusa de 1860 – que teve os drusos com vitoriosos e os maronitas como vítimas de grandes massacres – os libaneses, em desespero, se voltaram para a Europa em busca de ajuda. As duas primeiras personalidades europeias a responder foram Sir Moses Montefiore, um abastado líder judeu londrino, e Adolph Cremieux, um ilustre estadista francês também de origem judaica. Montefiore garantiu que a situação dos maronitas receberia cobertura de destaque no periódico ‘Times’ de Londres e criou um fundo, com seus próprios recursos, para ajudar os sobreviventes. Já Cremiuex teve papel fundamental no envio das tropas francesas para o Líbano. A intervenção francesa acabou por salvar os cristãos e levou a criação de um terrotório controlado por maronitas chamado Mutasarifiya.

ASSISTÊNCIA JUDAICA AOS CRISTÃOS DURANTE A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
Mais tarde, na sequência da Primeira Guerra Mundial, as hostilidades entre muçulmanos shiitas e cristãos maronitas chegaram a seu ápice. A maioria dos habitantes das aldeias cristãs atingidas (entre eles Deir Mimus, Majaryoun, Jedida e Abel al-Kumh) fugiu, e muitos terminaram na cidade de Sidon, famintos e miseráveis.
Pinchas Na'ama, que trabalhou para a Agência Judaica nas comunidades judaicas do Levante, enviou uma mensagem urgente a seus superiores em Jerusalém solicitando fundos emergenciais para assistir os refugiados cristãos. Os refugiados foram alimentados e vestidos e seus filhos foram admitidos na escola judaica em Sidon.

Esses atos filantrópicos foram lembrados anos mais tarde pela Igreja Maronita e acabaram por causar um grande impacto em suas opiniões e atitudes para com a comunidade judaica e o Estado de Israel.


Palavras do patriarca Arrida em um discurso na sinagoga de Beirute, em 1937:

"Os judeus não são apenas os nossos antepassados, mas nossos irmãos. Nossa origem é a mesma, a nossa língua é quase comum e nosso pai é o pai deles. Estamos orgulhosos de pertencer à mesma raça. Devemos tudo ao judaísmo, os nossos ensinamentos são tirados de sua lei sagrada. Nossa fé é semelhante. Nós amamos o mesmo Deus e amamos Jerusalém tanto quanto eles. Nós queremos, sinceramente, que nossa relação com eles seja constante e que renda muitos frutos. Nos ajudamos uns aos outros e desejamos, com todo nosso coração, que Deus liberte os judeus das opressões e perseguições de que são vítimas. Nós manifestamos nossos mais sinceros votos de paz e tranquilidade aos judeus, porque sentimos o quão sincero e precioso é o seu amor por nós."


Arrida também esteve envolvido em esforços de salvamento dos judeus alemães após a ascensão de Hitler ao poder naquele país. Ele e outros líderes cristãos libaneses sugeriram a idéia de permitir a entrada desses judeus no Líbano.

Dez anos mais tarde, quando a demanda por um Estado judeu foi ganhando força, a ONU criou uma comissão especial para examinar a viabilidade de estabelecer esse estado. Segue abaixo o depoimento do arcebispo Mubarak em frente da comissão UNSCOP:

Beirute, 5 de agosto de 1947

Senhor:

Lamento que a minha ausência na Europa coincidiu com a visita da Comissão Especial sobre a Palestina, caso contrário eu teria tido a oportunidade de expressar minha opinião - que é, aliás, a da maioria do povo libanês - com relação a esta questão.

Esta não é a primeira vez que expresso minha opinião sobre esta matéria. Muita tinta já foi gasta e, depois de cada uma das minhas denúncias, a imprensa mundial tem aproveitado as minhas palavras e feito diversos comentários sobre tudo o que disse.

Aqui no Oriente Médio – que é em sua maioria muçulmano – se o atual governo libanês for reconhecido como tendo um direito oficial para falar em nome da nação libanesa, nos sentimos obrigados a responder e a provar que os atuais governantes representam apenas a si mesmos e que as suas chamadas “declarações oficiais” são ditadas apenas pelas necessidades do momento e por uma solidariedade imposta neste país eminentemente cristão, graças as suas ligações com os países islâmicos que o cercam por todos os lados e o mantém em sua órbita político-econômica.

Em razão de sua posição geográfica, história, cultura e tradições, da natureza de seus habitantes e de seu apego a sua fé e a seus ideais, o Líbano tem sempre, mesmo sob o jugo otomano, se mantido longe das garras das outras nações que o rodeiam e tem conseguido manter sua tradição intacta.

Por outro lado, a Palestina, o centro ideológico de toda a Bíblia, sempre foi a vítima de todas as dificuldades e perseguições. Desde tempos imemoriais, qualquer coisa com qualquer significado histórico sempre foi saqueada, pilhada e mutilada. Sinagogas e igrejas foram transformadas em mesquitas e, não sem razão, a importância dessa parte ao leste do Mediterrâneo foi reduzida a nada.

É um fato incontestável que a Palestina foi a casa dos judeus e dos primeiros cristãos. Nenhum deles era de origem árabe. Pela força brutal da conquista eles foram forçados a se converter à religião muçulmana, e é essa origem dos ‘árabes’ naquele país. Pode-se deduzir daí que a Palestina algum dia foi árabe?

Vestígios históricos, monumentos e lembranças sagradas das duas religiões permanecem vivos como evidência do fato de que este país não estava envolvido na guerra entre príncipes e monarcas do Iraque e da Arábia. Os Lugares Santos, os templos, o Muro das Lamentações, as igrejas e os túmulos dos profetas e santos, enfim, todas as relíquias das duas religiões, são símbolos vivos que, por si só, invalidam as declarações agora feitas por aqueles que têm interesse em fazer da Palestina um país árabe. Incluir a Palestina e o Líbano no grupo de países árabes é negar a história e destruir o equilíbrio social no Oriente Médio.

Estes dois países, essas duas pátrias, provaram até agora que suas exitências como entidades separadas e independentes são úteis e necessárias.

O Líbano, antes de tudo, sempre foi e continuará sendo um santuário para todos os cristãos perseguidos no Oriente Médio. Foi lá que os armênios que escaparam do extermínio na Turquia encontraram refúgio. Foi lá que os caldeus do Iraque encontraram um lugar seguro quando foram expulsos de seu país. Foi lá que os poloneses, numa Europa em chamas, se refugiaram. E foi lá que os franceses, forçados a fugir da Síria, encontraram proteção. Foi lá que as famílias britânicas da Palestina, fugindo do terrorismo, encontraram refúgio e proteção.

O Líbano e a Palestina devem continuar a ser o lar permanente das minorias.

E qual foi o papel dos judeus na Palestina? Considerando sob esse ângulo, a
Palestina de 1918 parece-nos um país árido, pobre, despojado de todos os recursos e o menos desenvolvido de todos os vilarejos turcos. A colônia muçulmano-árabe vivia no limite da pobreza. A imigração judaica começou, as colônias foram formadas e estabelecidas e, em menos de vinte anos, o país foi transformado: a agricultura floresceu, grandes indústrias foram estabelecidas e a riqueza veio para o país.
A presença de uma nação tão bem desenvolvida e laboriosa ao lado do
Líbano não poderia deixar de contribuir para o bem-estar de todos – o judeu, que é um homem de habilidade executiva prática, e o libanês, que é altamente adaptável e, por essa
razão, sua proximidade viria para melhorar as condições de vida dos habitantes.

Do ponto de vista cultural, estes dois países podem se gabar de ter tantos intelectuais e pessoas cultas quanto todos os outros países do Oriente Médio somados. Não é justo que a lei deva ser imposta por uma maioria ignorante desejosa de impor sua vontade.

Não seria justo permitir que um milhão de seres-humanos evoluídos e educados sejam joguete de poucas pessoas que, eventualmente estejam no comando e que liderem alguns milhões de ignorantes involuídos que ditam a lei como bem entendem.
Existe uma ordem no mundo, uma ordem que estabelece o equilíbrio adequado. Se as Nações Unidas estão realmente desejosas de manter essa ordem, elas devem fazer todo o possível para consolidá-la.

As principais razões de natureza social, humanitária e religiosa exigem a criação, nesses dois países, de duas pátrias para as minorias: um lar cristão no Líbano, como sempre houve, e um lar judaico na Palestina. Estes dois centros, ligados um com o outro geograficamente e se apoiando e ajudando economicamente, farão a ponte necessária entre o Ocidente e o Oriente, a partir do ponto de vista da cultura e civilização. As relações de vizinhança entre estas duas nações contribuirão para a manutenção da paz no Oriente Médio, que é tão dividido por rivalidades, e vai diminuir a perseguição de minorias, que sempre encontrarão refúgio nestes dois países.

Essa é a opinião dos libaneses que eu represento e é a opinião deste povo a quem a sua Comissão de Inquérito foi incapaz de ouvir.

Por trás das portas fechadas do Hotel Sofar vocês só foram capazes de ouvir as palavras ditadas aos nossos chamados ‘representantes legais’ pelos donos e senhores dos países árabes vizinhos. A voz real dos libaneses foi sufocada pelo grupo que falsificou as eleições de 25 de Maio.

O Líbano exige a liberdade para os judeus na Palestina – da mesma forma que deseja a sua própria liberdade e independência.

Tenho a honra de ser, etc,

(assinado) Ignace Mobarat (Mubarak)

Arcebispo maronita
de Beirute.


Carta traduzida para o inglês
Original em francês

Um comentário:

Unknown disse...

Esse blog é incrível, parabéns pelo trabalho!